Cineasta e historiador, Arthur Moura é responsável pela criação de filmes como "De Repente: Poetas de Rua", "Prévia do Amanhã" e "UTOPIA e cidade". Com considerações sobre música, mercado e sociedade, Arthur se aprofunda no discurso cinematográfico para mostrar ao mundo suas ideias e sua forma de enxergar a sociedade.

Conversamos com ele sobre seus pensamentos e futuros projetos, e você pode conhecer um pouco mais desse artista logo abaixo.

Conte um pouco sobre você. De onde você é, onde você cresceu. 
Me chamo Arthur Moura, tenho 30 anos. Nasci em Niterói, mas logo cedo fui morar em Porto Velho. Quando meus pais se separaram e eu vim morar em Niterói com a minha mãe e minhas duas irmãs. Já vivi um tempo em Goiânia também, e um período breve em Alto Paraíso (GO). Quem me criou foi minha mãe, minha avó e minha tia. Minha mãe é professora, meu pai é autônomo. Estudei no Liceu Nilo Peçanha, onde comecei a ter amigos ligados a música. Em 98, 99, existia um circuito forte do rock´n´roll, blues e metal em São Gonçalo e alguma coisa em Niterói também. Nesse tempo eu fiz parte de algumas bandas. Comecei tocando punk, depois toquei numa banda de metal e minha última banda foi a Insane, que tocava o que chamávamos new metal, com uma linguagem de rap. Já nessa época eu tocava com Wallace, do Fluxo. Eu saí da banda e montei um homestudio no meu quarto. A partir daí eu comecei a trabalhar sistematicamente com diversas áreas da produção artística. 

Você estudou violão clássico durante vários anos. Como começou a sua relação com a música?
Eu diria que a minha relação com a música começou quando eu passei a conhecer música. E aí diversas pessoas contribuíram para isso. O meu primo Luis, por exemplo, foi a pessoa que me apresentou praticamente tudo do rock, metal e blues. Fora isso, o lance d´eu tocar foi uma coisa que se desenvolveu devagar. O fato é que eu tive oportunidade e condições de estudar música e isso me abriu para novas percepções. A música é um campo infinitamente vasto e o que me interessa nela é a sua construção e a produção de linguagens. Para entender o que é música é preciso investigar, produzir, compor, testar e expor. E isso faz parte de um processo ao mesmo tempo coletivo e individual. É uma relação que se abre cada vez que se arrisca mais. 

Apesar de tocar em bandas de metal, você rompeu seus preconceitos e abraçou o RAP. Como foi esse processo, e o que o RAP significa pra você?
Eu realmente tinha preconceito com o rap. Eu não ficava muito confortável de estar ali tocando guitarra e um cara rimando o tempo todo. Não fazia sentido pra mim. Eu tava acostumado com outras coisas. Não sei se por ironia, mas foi o rap que de certa forma reuniu tudo aquilo que eu tinha aprendido, tanto no que diz respeito aos aspectos teóricos como práticos da música. Penso que fazer beat acima de tudo é tocar algo na batida. Claro que tem o lance de você samplear, mas as coisas ficavam mais interessantes quando eu tocava algo, mesmo de forma simples. Acho que no final é o rap que consegue ser um campo holístico. O rap significa muito pra mim e é uma pergunta difícil na verdade porque envolve tanto um caráter subjetivo como material, político e social. O rap foi uma das coisas que também formou o meu caráter, então é algo que já faz parte de mim. Eu venho tentando responder o que é o rap e eu diria que ele é uma ferramenta de luta, de enfrentamento social. Ao mesmo tempo é um campo artístico, cultural, musical. Por isso ele exerce uma função complexa, pois diz respeito a todo um conjunto de valores. E veja que agora o rap não diz respeito somente às minhas aptidões musicais, mas política. Muito do que eu aprendo tenho a oportunidade de colocar em prática no rap, e isso agora venho fazendo como um estudo. Por isso eu também passei a pesquisar e escrever sobre o assunto. 

O que significa arte para você? Como você se relaciona com o processo criativo artístico?
O meu processo criativo se dá em diversas esferas. Faço música, cinema e agora literatura. Não sei fazer uma avaliação talvez muito coerente sobre tudo isso, mas vejo que pra mim é o que dá aquilo que chamamos “sentido”. Este sentido é criado de acordo com as experiências, experimentações e práticas. É a partir dessa relação que podemos nos situar no mundo, no campo social e entender melhor nossas subjetividades e aspectos do psicológico. A arte, portanto, é um canal de acesso a todo um conjunto de percepções desde o campo do sensível até outras ordens. A arte pós-moderna vai na contramão deste sentido. Ela não está necessariamente preocupa com alguma coisa. Para ela, basta existir e apresentar-se da forma mais flexível possível. Eu tento pensar a arte longe desses preceitos e valores. A arte faz parte de tudo aquilo que amplia as possibilidades de liberdade, não o contrário. 

Você cursou história. Como esse período influenciou a sua forma de pensar?
Antes eu gostaria de dizer que não foi fácil entrar para a universidade pública. Não é somente uma certa dificuldade de se passar no vestibular. O vestibular é apenas um dos mecanismos que impede a grande maioria das pessoas de ter acesso ao ensino público de qualidade. De uma forma geral, a universidade pública serve a uma parcela elitizada, que desde cedo tem como meta ocupar a maioria das vagas. O estudante proletário, quando entra, é o mais vulnerável, pois encontra todo o tipo de impedimento que viabilize sua permanência. Aos pobres cabe o ensino técnico. São os que executam as ordens dos seus superiores. A universidade me apresentou um campo até então desconhecido. Foi na universidade que eu aprendi a estudar, a ler, interpretar e compreender melhor a complexidade do real. O acesso ao conhecimento faz toda a diferença. A gente aprende melhor conceitos como autonomia, liberdade, política, sociedade, poder, ética. Na universidade eu pude compreender a complexidade da luta de classes e ter um novo olhar sobre o contemporâneo. Passei e a me interessar mais pela história moderna e seus campos filosóficos. Eu sempre tive acesso a livros em casa mas aprendi a lê-los melhor. Aprendi a não ter medo do que ali se anuncia. O bom leitor tem que ter coragem pra enfrentar o desconhecido, o que ainda lhe parece estranho. A universidade também é pra mim um outro campo de lutas. Fiz parte do movimento estudantil, produzi inúmeros vídeos e dois filmes, “Prévia do Amanhã” e “UTOPIA e cidade”. Foi onde também escrevi minha monografia sobre o rap. Foi a forma que encontrei de contribuir no sentido de inserir críticas e compreender melhor o processo de formação do rap independente principalmente do Rio de Janeiro. Nesse trabalho me detive muito em compreender as relações de poder e as condições que se formaram para que mais tarde houvesse a mercantilização da cultura. A monografia se chama “Uma Liberdade Chamada Solidão”.


O seu trabalho em “Poetas de Rua” é basicamente um estudo antropológico. Como foi o processo de explorar as origens desse formato de expressão cultural?
O processo se deu de 2005 a 2009. Na verdade eu comecei a fazer uns registros esporádicos da cena, filmando batalhas e freestyles nas ruas. O que eu fiz foi um registro de parte de uma geração do rap do Rio. Essa galera são Mc´s, produtores, DJ´s, etc. Naquela época o que mais me interessava era o freestyle e todo aquele ambiente que se formava. Tem um certo debate sobre mercado, mas como essa relação só iria se fortalecer dez anos mais tarde, os comentários giravam mais em torno de uma expectativa do que algo realmente concreto. Enfim, acho que o filme carrega um pouco desse ar de improviso, até mesmo na parte técnica ou conceitual. O processo foi muito simples, na verdade. Eu busquei filmar os eventos, shows e batalhas, freestyle nas ruas, principalmente na Lapa, que àquela época era um polo onde a galera do rap se encontrava. Hoje a Lapa faz parte de um cenário muito mais amplo do hip hop, pois existe diversas rodas espalhadas pela cidade. Procurei filmar depoimentos também da galera onde eu conversava sobre independência, mercado, questões referentes à cena, etc. Filmei algo em torno de 80 horas que resultou num longa de pouco mais de uma hora. 

Qual é a proposta da sequência de Poetas da Rua que você está filmando? O que você observou de diferente entre a cena de 2004, e a atual?
A minha proposta para este filme é tentar fazer uma espécie de balanço. Ao mesmo tempo eu quero compreender como se configura a cena hoje. Quais são suas questões? O que estão pensando seus atores? De que forma estão atuando? Onde? Quem são estes atores? O fato é que agora existe uma nova geração e aí surge outra questão: de que forma estão se relacionando as diferentes gerações que agora compõem o rap? O que vem a ser este mercado que se formou? Para isso estou pegando depoimento de Mc´s, cineastas, produtores, organizadores das rodas culturais, as rodas, beatmakers, etc. Essencialmente, me interessa debater questões políticas. E aí entram debates sobre, por exemplo, a importância da ocupação dos espaços públicos, questões de gênero, mercado e outras formas associativas. A cena de 2004 é muito diferente de hoje. Seus valores são outros. Suas necessidades, desejos e inserção social também se modificaram. As relações de poder ficam mais complexas. Suas prioridades são outras. E quando falo “suas”, me refiro àqueles que fazem parte da cena. “Cena”, inclusive, é um conceito que se diferencia de “movimento”. O que percebo é que os grupos se tornaram empresas, os Mc´s, empresários. O público são consumidores. É uma síntese um tanto cruel e ao primeiro olhar pode parecer reducionista ou até mesmo mesquinha. No entanto, a prática de uma parcela significativa do hip hop é baseado em preceitos éticos e morais capitalistas, o que faz com que haja um distanciamento da possibilidade da construção de um movimento popular libertário. Ao mesmo tempo em que estou produzindo o filme também estou no processo de escrever um novo trabalho, agora com uma cara mais de ensaio. Talvez eu leve este tema para o mestrado, ainda estudo a possibilidade. Neste trabalho estou desenvolvendo questões como: o hip hop e a mídia, a função do público no hip hop, a burocratização do hip hop, cinema e literatura no hip hop entre outros. Algumas publicações podem ser encontradas no meu blog www.umaliberadechamadasolidao.wordpress.com .

Qual tipo de assunto você pretende trabalhar nos seus próximos filmes?
Bom, no momento também estou produzindo um documentário longa metragem juntamente com André Queiroz, escritor, filósofo e professor da UFF, que se chama “O Povo que Falta”. Estamos tratando de temas como desterritorialização, violência de Estado, guerrilha e demais enfrentamentos sociais, memória, dentre outras questões. Estamos filmando no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e Peru. Quero trabalhar futuramente com algumas dessas questões, como violência de Estado, mas através de outro tipo de narrativa, que não seja propriamente um documentário. Me interessa produzir algo que traga a questão dos enfrentamentos sociais, das disputas políticas do agora trazendo uma visão da conjuntura social. Me interessa fundamentalmente o cinema político, não o cinema como uma certa representação da realidade, mas aquele que intervém, confronta e constrói. 

Algum plano ou desejo para o futuro? Relacionado a trabalho ou não.
Meu plano é estar organizado de alguma forma com pessoas que também se proponham a construir arte. É preciso que pensemos formas associativas horizontais, sem líderes e que tenha na liberdade seu mais alto valor. A arte produzida de forma coletiva é infinitamente mais potente. Produzir arte de forma coletiva é também exercitar a política, é compreender melhor o que nos cerca através de trocas sem que haja relações de poder. Penso que isso cria condições materiais e imateriais para a produção artística.


Você pode acompanhar as novas produção de Arthur Moura curtindo a página da 202 Filmes no Facebook (www.facebook.com/202Filmes)