Imagine uma cidade com mais de um milhão de habitantes e apenas três salas de cinema localizadas em um único shopping. Essa é a realidade de Nova Iguaçu, município da região da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Esse número é extremamente pequeno se comparado, por exemplo, ao bairro de Botafogo na Zona Sul carioca, onde existem quase 40 salas para menos de cem mil habitantes. Com isso, a existência de cineclubes é não apenas um movimento de vanguarda, mas também uma ação necessária para o público da região.
É neste momento que surge o Cineclube Buraco do Getúlio, fruto da cabeça de seis amigos apaixonados por cinema e que queriam uma oportunidade de exibir seu próprio trabalho. Tendo como referência cineclubes como o “Mate com Angu” (Cineclube atuante na Baixada Fluminense fundado em 2002, ainda em atividade), o “Beco do Rato” e o “Cachaça e Cinema Clube”, realizaram ao longo de quase oito anos de existência um total de 162 sessões, com 436 filmes exibidos e 264 intervenções artísticas. Hoje, a equipe do Cineclube conta com um total de dez organizadores que trabalham de forma voluntária, com sessões recebendo uma média de 100 pessoas no Ananias Bar.
De acordo com Diego Bion (29), atual coordenador e um dos seis fundadores do Getúlio, a primeira sessão contou com equipamentos de segunda mão comprados na década de 70. “A princípio nós não tínhamos nem projetor. A gente precisava ir até a Lapa pegar um projetor emprestado com a galera do Beco do Rato ou do Observatório de Favelas na Maré”, diz Bion. Em sua primeira sessão, o Getúlio exibiu o clássico “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, e desde o início os idealizadores do Cineclube entenderam que somente o audiovisual seria insuficiente: foi então decidido que o Getúlio passaria abrir espaço também para outras formas de arte no intervalo dos filmes, como poesia, música, teatro e circo.
Desde então, as intervenções do “Buraco” vem mantendo o mesmo formato: são priorizados os curtas-metragens, com foco em vídeo-arte e cinema experimental (que estejam fora do circuito oficial de cinema), filmes que a grande maioria da plateia não teria assistido. A ideia é fazer com que esse circuito alternativo chegue também até a Baixada, contribuindo com a formação de um público na região.
Além do Cinema
As intervenções culturais que acontecem em todas as sessões do Buraco do Getúlio são um destaque à parte. Segundo Diego, a ideia de “buraco” implica em algo que deva ser preenchido com conteúdo, e esse preenchimento se dá através do envolvimento do público e dos atores locais. “Para o poeta o Buraco é um Sarau, para o músico o Buraco é um show, para o artista do circo o Buraco é um picadeiro, para o ator é o palco e para o cineasta é um cinema” diz Bion, que enfatiza a todo instante a ideia de coletivo e a importância do mesmo na trajetória do “Buraco”. “É muito bacana quando a gente vê diretores pedindo pra lançar filmes no Cineclube, ou bandas pedindo pra tocar, poetas para expor sua poesia, entre outros. Não digo que isso tudo seja mérito direto do Getúlio, mas de um ambiente favorável que foi se construindo na Baixada”, finaliza Diego.
Quanto ao público, Diego destaca uma diversidade dentro de uma faixa etária que vai de 20 a 35 anos. “Existe uma juventude que faz parte ou simplesmente apoia o atual cenário cultural da Baixada Fluminense e se identifica mais com o que acontece no “Buraco”. A maioria das intervenções que ocorrem no BG são realizadas pela juventude”. O cenário atual da Baixada como um todo combina perfeitamente com o crescimento do Cineclube: movimentos envolvendo poesia, saraus, música, festas e diversas outras intervenções dialoga com o público crescente do Getúlio. “Nova Iguaçu talvez esteja com a sua primeira geração de realizadores locais”, afirma Bion.
Mesmo sendo realizado em Nova Iguaçu, o público que comparece às sessões do Buraco do Getúlio vem de vários locais: vários locais: Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo e até mesmo da abastada capital, Rio de Janeiro. Por isso Diego justifica a ideia de fazer com que o evento ocorra em Nova Iguaçu: ”escolhemos um local próximo ao Centro para facilitar o acesso, dada a dificuldade de transporte público enfrentada pelas regiões da Baixada Fluminense”, afirma. O local escolhido foi o Ananias Bar, um dos mais undergrounds de Nova Iguaçu e palco de diversas intervenções culturais, tradicionalmente frequentado por Diego e seus amigos desde a época da adolescência.
Origem
O nome “Cineclube Buraco do Getúlio” foi pensado em homenagem à passagem subterrânea Túnel Getúlio de Moura, uma das principais na cidade de Nova Iguaçu. O nome também expressa a vontade dos fundadores do BG de manterem uma referência com o local de origem, em um momento em que parte dos habitantes da Baixada ainda busca se desvencilhar da região devido ao caráter violento e abandonado imposto à Baixada pelas grandes mídias. Na contracorrente dessa ideia, o Cineclube, em conjunto com seus organizadores, interventores e plateia, vem tentando (e conseguindo) iniciar um processo de construção coletiva de um imaginário positivo sobre a Baixada Fluminense.
Buraco no Catarse
Em abril de 2014, os organizadores do Buraco do Getúlio iniciou uma campanha de financiamento coletivo junto ao Catarse. O projeto ficará no site por 45 dias, período durante o qual busca atingir o valor total através de uma campanha de doações. Atingindo 100% da meta, quem doou ganha recompensas - e o Buraco do Getúlio recebe verba para a realização de sessões até o fim de 2014. Até o fechamento desta matéria a campanha do Buraco no Catarse (#buraconocatarse) já havia conquistado R$10,887 e os organizadores se mostram otimistas quanto ao atingimento do valor total de R$13,500.
Bion conta que até então as intervenções do Cineclube aconteciam devido a investimentos dos próprios organizadores e dos artistas que iriam se apresentar, recursos esses que eram todos revertidos em aluguel de equipamentos para a exibição dos filmes. Com isso, não tem sido possível oferecer uma infraestrutura adequado ao público e aos artistas que se apresentam. “As sessões acontecem na onda do “faça você mesmo”. E depois de tanto tempo fazendo desse jeito a gente quer conseguir realizar essa atividade de uma maneira mais tranquila, proporcionando um conforto maior a todos os envolvidos como produtores, interventores e público” explica Diego.
As sessões do Buraco do Getúlio acontecem todo segundo sábado do mês às 21h no Ananias Bar em Nova Iguaçu (Rua Floresta Miranda, 48, Nova Iguaçu, RJ). Além disso, toda quarta-feira acontece uma sessão online onde algum curta é disponibilizado no blog do BG.
Contatos
Para conhecer mais sobre o projeto basta acessar os links abaixo:
Para ajudar com a campanha Buraco no Catarse basta acessar o link:
0 comentários:
Postar um comentário