Com filmagens iniciadas em 2004, o documentário “De Repente: Poetas de Rua” vai fundo na busca pela origem cultural do que hoje é considerado o RAP nacional. Com foco na cena carioca, o longa teve suas filmagens realizadas ao longo de cinco anos pelo cineasta Arthur Moura – que já iniciou a produção de uma continuação para o filme.

Em pouco mais de uma hora de filme, Arthur é capaz de tirar do RAP a mítica caracterização como cultura marginal, e colocá-lo ao lado de tradições brasileiras como o Repente, a Embolada e até mesmo o Samba do Partido Alto. Em uma realidade onde o improviso é mais que uma maneira de fazer arte, mas sim uma forma de sobrevivência, a cultura “freestyle” desponta em uma congregação de influências, tanto nacionais quanto internacionais.

“O filme (Poetas de Rua) é sobre uma outra cena do rap que não costumamos muito ver em "evidência". Esse ano fiz as últimas filmagens e a edição já tá na metade. Fiz mais de 70 entrevistas com pessoas do rap, do repente, da embolada , professores de História, DJs”, diz Arthur. “Busco mostrar o improviso em si, em suas diversas formas. Mesclo shows, samba em botecos e poetas bêbados com assuntos como mercado e poesia”, completa.


Arthur Moura, no Ocupa ROTA Cine (UFRJ - FFP)

Enquanto estilo musical, o RAP é considerado de origem estadunidense. Com ícones como Tupac Shakur, é quase inevitável considerar que o estilo livre brasileiro não seja nada além de uma vertente da produção norte-americana. Em “Poetas de Rua”, o estudo antropológico realizado pelo diretor mostra uma realidade diferente. A rima, em si, constitui-se muito mais em uma tradição, sendo a música apenas uma das pontas dessa teia cultural.

Ainda no filme, é dito que a cultura poética do improviso se relaciona, por exemplo, com as tradicionais igrejas de tradição afrodescendente norte-americanas, onde o pastor se comunica através de palavras musicalizadas, poéticas e rimadas, surgidas “top of the head”, ou seja, de improviso. Essa tradição, no entanto, pode ser localizada em diversas outras expressões culturais também no Brasil. Segunda a historiadora Adriana Cavalcante, é possível rastrear a tradição do improviso (enquanto comunicação) à “poranduba”, forma de transmissão oral de contos e histórias tradicional das tribos brasileiras, assim como à própria catequização desses mesmo indígenas. Neste processo, os padres perceberam uma alta musicalidade nos nativos, fato que levou ao desenvolvimento de pequenas rimas com o objetivo de facilitar a assimilação das informações pelos índios.

Roda Cultural de Vila Isabel / Foto: Arthur Moura

“Nessa mesma época, o Cordel passa a ser o principal meio de comunicação de informação daquela região onde o jornal não era aceito porque as pessoas não sabiam ler, e isso criava até uma certa resistência àquilo que estava escrito no jornal”, diz Adriana. Segundo Gonçalo Ferreira, presidente da ABLC (Associação Brasileira de Literatura de Cordel), a literatura de cordel, fruto da tradição oral nordestina, foi em certo momento um veículo de comunicação muito mais confiável (para as grandes massas) do que os jornais. “No tempo da morte de Getúlio (Vargas), por exemplo, as pessoas se aglomeravam nas grades da estação ferroviária buscando informações oriundas das capital. Quando a locomotiva chegava trazendo os jornais, o povo se acotovelava para pegar o jornal, para pegar a notícia fresquinha sobre a morte do presidente. Aí o camponês chegava e dizia ‘rapaz, isso daí é conversa de jornal, eu não acredito! Só acredito se sair em cordel’”, afirma Gonçalo.

Sobre a continuação de “Poetas de Rua”, Arthur diz que o objetivo é “tentar fazer uma espécie de balanço”. “Quero compreender como se configura a cena hoje. Quais são suas questões? O que estão pensando seus atores? De que forma estão atuando? Onde? Quem são estes atores?”, questiona Arthur. “O fato é que agora existe uma nova geração e aí surge outra questão: de que forma estão se relacionando as diferentes gerações que agora compõem o rap? O que vem a ser este mercado que se formou? A cena de 2004 é muito diferente de hoje. Seus valores são outros. Suas necessidades, desejos e inserção social também se modificaram. As relações de poder ficam mais complexas”, afirma o diretor.


Assista abaixo ao filme “De Repente: Poetas de Rua”





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