Cearense. Magra. Feminista. Artista. Mãe. De toda a longa lista de adjetivos que podem ser utilizados para explicar Sirlanney, nenhum é tão revelador quanto o seu próprio trabalho. Pintora, quadrinista e, por que não, poeta, a jovem criativa de traços e sorrisos delicados esconde por debaixo das roupas floridas um coração bruto, pulsante e cheio das dores cotidianas das vidas de todos nós.


Conversamos com a Sirlanney sobre seu trabalho, sua vida, suas ideias. Acompanhe abaixo:

- Quantos anos você tem? Ainda mora no Rio? Voltou pra faculdade?
Oi! Eu tenho 30, estou no ceará, mas meus livros e amores estão no Rio. Fico no Ceará até agosto para cuidar de problemas de saúde, do crowdfunding do meu livro e outros projetos paralelos, que seriam impossíveis de fazer no meio do trabalho de conclusão de curso, que retomo no próximo semestre.

- Você diz que faz quadrinhos para não enlouquecer (tá lá no about do tumblr, rs). Qual é a sua relação com os seus trabalhos, e como eles te afetam?
Talvez me enlouqueçam mais, viu, eu tenho que mudar aquilo. Ah, de certa forma me ajudam sim. Sem desenhar e colocar para fora aquilo que me sufoca eu vou realmente definhando. Tudo perde o sentido, como se o único sentido fosse desenhar. Eu sei que não é só isso, tem a família, os amigos, o amor, que dão o verdadeiro sentido de tudo. Mas colocando de forma prática, de repente eu estou me sentindo muito mal com alguma ideia me perturbando e doendo muito, sabe? Então eu penso: vou transformar isso em algo, seja um quadro, ou um quadrinho. Depois que vira um quadrinho, para de doer, porque atingiu outro patamar, não é mais só uma minhoca na minha cabeça. Agora pode ser uma minhoca na cabeça dos outros. Não sei, acho que tem a ver com a brevidade da vida.


- Bukowski é um autor muito cru, objetivo e “carnal”. Kerouac (como boa parte da geração beat) era algo muito próximo de um filósofo, prolífico em adjetivos e questões sobre o mundo e sobre ele mesmo. Apesar de diferentes, você registra ambos como influências. Por quê?

Ah, eu não acho tão diferente assim. Bukowski foi um beatinik fora do tempo, só isso, ou uma continuação, sei lá. Ele também é um filósofo! Ele vai falando que fez isso e aquilo, e bateu e chupou, etc, mas num momento ele vai e dá um salto, você nem percebe, mas você já está sobrevoando com ele para o outro lado, da existência e do infinito. Mas eu sofro muita influência também de Dostoievski, Julio Cotázar, Henry Miller... Esses sim, completamente diferentes uns dos outros. É importante para mim não me prender a um estilo, nacionalidade, época, etc.

- O seu trabalho não é apenas “autobiográfico”. Ele vai além, e é capaz de transmitir o quão doídas foram as situações e os pensamentos. Sejam amores ou dificuldades, a sensação de ler seus quadrinhos é sempre muito forte. Como você enxerga esse caráter visceral da sua obra?
Uau. É bom ouvir outra pessoa falando. Acho que tem a ver com meu gênio, digo, minha forma de viver, talvez eu seja mesmo intensa e visceral, isso acaba comigo. Se o leitor consegue perceber isso nos meus quadrinhos eu me sinto muito muito grata.





- O seu trabalho passou por uma clara transformação a partir de 2010. Há uma notável diferença nos traços, na escolha de cores e até de materiais. Poderia falar um pouco sobre isso?
Hahahaha eu não sabia fazer melhor. As cores eram "pobres" na minha opinião de hoje, eu entendia muito pouco de aquarela. Mas fiquei o caminho inteiro dentro do ônibus bolando aquele quadrinho, separando por quadros, o roteiro, imaginando como eu queria desenhar. Ele levou o triplo do tempo que levo hoje pra fazer uma página. Tudo é um processo, não é? Um quadrinho depois do outro. Espero que ano que vem eu tenha aprendido coisas novas também, e possa rir da Sirlanney de hoje como faço agora com a de 2011, o que é uma sacanagem.

- Você foi mãe aos 19 anos. O que isso representou pra sua vida, e pro seu trabalho?
A Luna tem uma importância absurda na minha vida, claro. É tudo o que eu sou. Talvez se eu não tivesse tido ela eu não seria mãe nunca e sou muito feliz por ser. Muitas artistas foram mães e não puderam exercer esse papel social assim como eu. Patti Smith e a quadrinista Aline Crumb foram mães aos 19 e deram pra adoção. Eu não fiz isso, mas o desejo de ser alguém e deixar algo para ela foi maior do que minha capacidade de criar, digo, de ficar em casa, renunciar ao trabalho e a busca pelo que fosse melhor. Eu era uma menina de 19 anos, seríamos duas meninas jogadas no mundo sem esperanças, cuidando da casa, a procura de maridos que cuidassem de nós. Eu fui racional ou egoísta, depende do ponto de vista. Mas isso me deu um sentido de trabalhar por alguém além de mim, uma meninazinha engraçada em quem eu coloco a culpa por querer desesperadamente "ser alguém". No fim eu só espero que ela me ame, parece que ela me ama muito.


- Como você define e enxerga o seu trabalho agora? Seus quadros, seus quadrinhos? O que você vê neles?
Eu vejo uma massa em transição. Eles me deixam satisfeita... Logo que eu acabo uma tela ou um quadrinho, eu vejo que aquilo é maior do que eu e me sinto agradecida. Mas vejo também mil possibilidades para explorar, o que me anima. Tudo que eu quero é condições para trabalhar trabalhar trabalhar e deixar essa massa mais definida, mas nunca o suficiente, senão vou ter que parar de mexer.

- Vamos falar sobre a campanha no Catarse: qual a motivação desse projeto, e o que ele representa pra você?
Esse projeto está idealizado desde o início do blog, em 2012. Eu tinha muito desejo de fazer alguma publicação, alguma coisa só minha. Tentei fazer uma história mais longa, Vingança de Odorica, e descobri que ia ser muito caro para publicar. Então conheci o projeto do Ryotiras, que comprei. E era isso, a compilação de seus webquadrinhos num livro incrível. Os amigos dos Quadrinhos Insones tinham acabado de fazer o mesmo para produzir a revista "Libre!" Então percebi que para eu ter volume até lançar a campanha do catarse ia precisar de tempo, paciência, trabalho e conquistar leitores. Em resumo eu fiz uma estratégia e confiei no meu talento, agora achei que chegou a hora. Para mim ele representa a realização de um sonho que foi acalentado por muitas noites insones. Como falo no vídeo do catarse, um primeiro passo, ou o maior passo que dei até agora. Minha própria publicação!!! Mas ele representa mais do que isso se olhar no contexto global e não só de meta pessoal. Eu faço parte de um novo mercado de uma nova era. Pessoas que com o trabalho e o esforço próprio podem se virar diretamente com o público, sem precisar de velhas empresas viciadas intermediando isso. Eu nunca fui publicada num jornal de grande porte, nunca bebi champanhe com esses magnatas, eles nunca divulgaram meu trabalho. Eu nasci da internet e estou me publicando com a ajuda da internet. Se isso der certo, é um grande dedo do meio! (ou será só algo para levar debaixo do braço quando "eles" quiserem ver meu trabalho)


Não esqueça de apoiar a campanha da Magra de Ruim no Catarse!

Para conhecer mais sobre a Sirlanney, você pode:

A) Acessar o tumblr lindo dela;
D) Todas as opções acima.